1 de jan. de 2010

COMO PENSAR O ENSINO RELIGIOSO?!

Enquete: você pensa que o ensino religioso nas escolas deve ser...

Confessional, vinculado à catequese de uma religião – 4%
Interconfessional, pelo acordo teológico entre matrizes religiosas afins – 9%
Supraconfessional, tematizando o fenômeno religioso pelas ciências da religião – 45%
Não deve haver ensino religioso nas escolas de uma república laica – 21%
Religiosidade não se ensina racionalmente e só pode ser experimentada em ritos, cabendo à escola refletir transversalmente sobre o fato nas aulas de história e de ética – 18%

A terceira enquete do nosso blog, encerrada com o fim do ano de 2009, quebrou o recorde de participação e teve 131 votantes. Os resultados, apresentados acima, revelam que a maioria dos nossos leitores é afinada com a proposta de um ensino religioso fundada nas ciências da religião. Dezoito por cento considera que a escola deve refletir transversalmente sobre o fato religioso nas aulas de história e/ou ética, mas quarenta e cinco por cento considerou, mais explicitamente, que o ensino religioso deve ser desenvolvido em uma disciplina própria e supraconfessional, onde se tematize interdisciplinarmente o fenômeno da religiosidade pelas ciências da religião.

Trata-se da ideia, já preconizada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso, de que o Estado brasileiro promova e respeite a diversidade que transita no cotidiano escolar, permitindo que todos os educandos tenham acesso reflexivo ao conjunto de todos os conhecimentos religiosos presentes no substrato das diferentes culturas, de forma integrada e pedagógica. Poucos participantes da enquete apontaram em outras direções: nove por cento acenou para um acordo teológico interconfessional nas aulas de religião e apenas quatro por cento disse pensar que o ensino religioso escolar deve ser confessional e catequético, sob responsabilidade de cada tradição e patrocínio do Estado.

Essa posição menos votada aqui é, no entanto, a que será oficializada pelo Presidente da República no acordo com a Igreja Católica – que recebeu apoio da Bancada Evangélica do nosso Congresso, depois que as vantagens de acesso às escolas foram estendidas às suas Igrejas. Isso no que pesem as acusações de inconstitucionalidade desses acordos, ao menos nos artigos que tentam modificar o disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação acerca da educação religiosa. Talvez essa atitude militante das lideranças cristãs em pleitearem o espaço escolar para socialização da fé explique, como reação radical, o número surpreendente de vinte e um por cento dos votantes da nossa enquete defendendo que “não deve haver ensino religioso nas escolas de uma república laica”.

Por trás disso tudo, certamente se esconde o confronto antropológico – e político – entre uma compreensão de cultura simples e homogênea, com instituições hegemônicas, e outra de cultura complexa e policêntrica, onde as instituições – também as religiosas – reorganizam-se em bases liberais, pluralistas e democráticas. No primeiro caso, o professor de cultura religiosa está a serviço da religião majoritária e das suas igrejas, no segundo, serve à comunidade, ampliando a consciência social sobre as experiências e movimentos religiosos. Fica a hipótese, para ser pesquisada e aprofundada...
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3 comentários:

  1. Acredito que as reflexões que nos propõe o Ensino religioso, incluindo mesmo o que optam para uma negação de sua religiosidade, permite esclarecer posições, e uma autenticidade na busca da integridade humana, e a colaborar para a construçãode uma sociedade melhor.
    Carlos Albérico

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  2. Eita Albérico,
    a gente tá cada vez mais em sintonia: continue firme aprofundando os estudos e muito obrigado pelas informações preciosas, viu?!
    Abraço.

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  3. O STF está próximo de julgar uma causa espinhosa. A Procuradoria Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade para restringir o ensino religioso nas escolas públicas, limitando os termos do acordo do país com o Vaticano, que incluía expressamente esta questão.
    O argumento do Ministério Público é a laicidade do Estado, ou seja, a impossibilidade de que seus órgãos públicos se vinculem a qualquer religião, estabelecendo algum tipo de exclusividade ou preferência.
    A regra, tradicional nas democracias modernas, é resultado da separação entre Igreja e Estado, que no Brasil é contemporânea à proclamação da República. A separação contempla não apenas a proibição de uma religião oficial (como era a católica anteriormente), como estabelece a liberdade religiosa e a proteção a todo e qualquer culto.
    Embora os atributos do Estado laico estejam na Constituição (art. 19, inciso I), a Carta Magna também prevê a existência do ensino religioso de caráter facultativo, nas escolas públicas.
    A polêmica suscitada na argüição da Procuradoria diz respeito ao texto do acordo do Brasil com o Vaticano, um dos temas que provocou a visita do papa Bento XVI ao Brasil em 2007.
    O acordo, que entre outras coisas estabelece o "estatuto da Igreja Católica no país", seus direitos e, principalmente, suas imunidades, dispõe que o ensino religioso nas escolas públicas será "católico e de outras confissões religiosas".
    A Procuradoria propõe que o STF entenda que o ensino da religião deva ser não-confessional, tratado como história das religiões e ministrado por professores leigos -nem católicos, nem de outras igrejas.
    O conteúdo da disciplina consistiria apenas na exposição de doutrinas, das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes religiões e também das posições não religiosas, ou atéias.
    O modelo de ensino religioso, não confessional, seria o único que não implicaria endosso a qualquer crença ou posição religiosa e, portanto, o único compatível com o Estado laico, segundo a petição do Ministério Público.
    A possibilidade de que haja professores de diversas confissões religiosas, de fato, não elimina a preferência por uma religião. Apenas as religiões majoritárias têm membros em condições de participar das escolas, nos mais diversos municípios do país.
    As escolas públicas não são, efetivamente, o local mais adequado para o ensino religioso.
    Dada a separação entre o Estado e a Igreja, o papel de doutrinar espiritualmente as crianças não deve ser atribuído ao poder público, mas às famílias, em seu espaço privado, e aos órgãos confessionais de cada crença.
    Já vai longe o tempo em que direito e religião se confundia no país. Durante dois séculos, vigoraram no Brasil as Ordenações Filipinas, estabelecendo diversas condenações de cunho religioso, como penas para a heresia e a blasfêmia.
    A separação Igreja-Estado nos distingue das teocracias que ainda permanecem vivas, em que os julgamentos se impregnam de conteúdos morais, confunde-se crime e pecado, e as penas têm caráter fortemente intimidatório e violento. Foi assim, por exemplo, durante o governo Taleban, no Afeganistão e vem sendo no Irã, desde a revolução islâmica de 1979. Não por coincidência, regimes que praticam a lapidação (apedrejamento).
    O julgamento da ação no STF deverá ser precedido, se atendido o pedido da Procuradoria Geral da República, de audiência pública, o que permitirá que várias linhas de pensamento, inclusive e principalmente as religiosas (como também aconteceu no julgamento da utilização de células tronco-embrionárias), se expressem.
    Embora a questão judicial ainda esteja restrita à delimitação do ensino religioso, ela se articula diretamente com outros pontos polêmicos envolvendo a natureza laica do Estado, como a afixação de símbolos religiosos em prédios públicos...
    Ao Estado laico, portanto, não cabe fomentar a catequese nem admitir a discriminação.
    Marcelo Semer
    Quarta, 25 de agosto de 2010 http://terramagazine.terra.com.br

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