25 de jun. de 2010

SÃO JOÃO/CAÔ NOS XUCURU

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Mulheres, crianças, jovens e homens xukurus, muitas pessoas curiosas se concentram por volta da três horas da tarde do dia 23 de junho na Vila de Cimbres, povoado no município de Pesqueira, interior de Pernambuco: vai começar “a busca da lenha”. No ritual realizado anualmente, os Xukuru caminham até cerca de dois quilômetros na caatinga e retornam com pedaços de paus e galhos secos que serão organizados na grande fogueira a ser acesa no início da noite, defronte da Igreja de Nossa Senhora das Montanhas (para os Xukuru “Nossa Mãe Tamain”).

A festa começara pela manhã com fogos de artifício e a banda de pífanos. Índios xukurus, vindos das aldeias, foram chegando e se dirigindo ao Centro Social São Miguel. Vieram de caminhão, a pé ou a cavalo. Muitos trouxeram o “fardamento”: o saiote de fibras de caroá ou palha de côco que eles chamam “Tacó”. Além da barretina na cabeça, das braçadeiras, goleiras e tornozeleiras para dançarem o Toré. Uma dança coletiva que é iniciada ainda pela manhã no salão do Centro Social.

O sino da Igreja anuncia a hora da “busca da lenha” da qual participam índios e não-índios. A procissão para recolher madeira parte da frente da Igreja seguindo a bandeira de São João, que é segurada pelo Cacique e lideranças indígenas, tendo ao lado ainda a banda de pífanos. Para os Xukuru esse ritual possui um sentido religioso profundo. Faz parte de um compromisso que deve ser renovado a cada ano. Retornando ao centro da Vila de Cimbres, depois de dar uma volta no templo católico romano, as madeiras são depositadas defronte dele, para fazer a grande fogueira.

No início da noite as fogueiras menores em frente às casas da Vila e também a grande fogueira comunitária defronte a Igreja estão acesas. Por volta das 19 horas começa a missa. Os Xukuru que se concentravam no Centro Social São Miguel seguem em fila indiana, juntamente com a banda de pífanos, para dentro da Igreja, onde ocupam os bancos, as laterais e todos os cantos do templo. Finda a missa os Xukuru também em fila indiana seguindo o tocador do “Mibi” (a gaita) dão três voltas em torno da Igreja. Param defronte ao pátio do templo católico romano e dançam o Toré, dando várias voltas ziguezagueando em forma do “S” . Dão muitas vivas a “Seu João”, a “Mãe Tamain” (Nossa Senhora das Montanhas, para os católicos romanos) e ao Pai Tupã.

Voltam para o salão do Centro Social onde continuam dançando o Toré até perto de meia-noite, quando vão para um local nas proximidades da Vila onde está uma pedra plana chamada Laje do Conselho. Naquele local em silêncio ficam esperando os conselhos dos Encantados, dos antepassados falecidos. Ocorrem incorporações de espíritos dos Encantados, que se manifestam pelos incorporados, falando aos presentes atentos. Dançam Toré em cima da Laje. Aquele que escorregar na laje morrerá durante o ano, assim dizem e acreditam.

Depois desse ritual retornam ao Centro São Miguel onde dançam até as quatro da manhã. Já próximo ao amanhecer vão outra vez para frente da Igreja, dançam e dão voltas em torno do templo, encerrando suas obrigações. Dizem que no passado os índios mais idosos caminhavam descalços nas brasas da fogueira. A despedida é saudada com fogos. É dia, quando os Xukuru começam a retornar para suas aldeias. Estarão de volta à Vila de Cimbres no dia dois de julho, para a Festa de “Nossa Mãe Tamain”.

As práticas religiosas Xukuru foram perseguidas e proibidas pela polícia, a mando dos fazendeiros. A dança do Toré, por ser um ritual coletivo em que os índios se juntavam e podiam discutir a situação de opressão em que viviam, também foi impedida pelos fazendeiros. Os Xukuru faziam seus rituais às escondidas nas matas, pois eram acusados de macumbeiros, como relatam os mais velhos. Com a reconquista das suas terras, oficialmente demarcadas pelo Governo Federal em 2001, os Xukuru puderam exercer livremente seus seculares rituais religiosos.

No culto a São João os cristãos católicos lembram a tradição bíblica do santo profeta que buscou a justiça e a verdade. A lembrança do seu nascimento é uma animada festividade popular anualmente celebrada com as fogueiras, com o fogo que ilumina e purifica. Os Xukuru chamam-no “Seu São João” ou ainda “Senhor São João”. O santo é também chamado “Caô”, uma influência da presença africana com os escravizados negros na Serra do Ororubá.

Em setembro os Xukuru celebram também a Festa de São Miguel, santo que nomeia o salão que abriga os índios quando eles vêm participar de reuniões e de festividades na Vila de Cimbres. São Miguel é o arcanjo que anunciou o nascimento Jesus, o primo de São João. São Miguel é sempre representado com uma espada simbolizando a Justiça. O mensageiro da justiça divina.

Nessas festas religiosas os Xukuru se apropriaram dos santos católicos romanos e atribuíram a eles novos significados. A história, as vidas desses dois são relidas, rememoradas a partir dos horizontes e interesses da história Xukuru, da situação em que vivem os índios. São João e São Miguel foram incorporados aos cultos Xukuru como símbolos da justiça, diante das injustiças e perseguições contra os índios. Como símbolos de força, coragem e incentivo para os Xukuru se mobilizarem pelos seus direitos.

Na festa de São João os Xukuru comparecem anualmente à Vila de Cimbres com seus adornos, que são vestidos especialmente nesses momentos festivos. A Festa de São João, além de ser uma expressão da cultura, por meio dos rituais religiosos, é antes de tudo uma forma de afirmação da identidade indígena Xukuru do Ororubá.




EDSON HELY SILVA
Doutor em História Social da Cultura na UNICAMP. Mestre em História pela UFPE. Leciona História no Col. de Aplicação/CENTRO DE EDUCAÇÃO-UFPE. Pesquisador da história indígena em Pernambuco, particularmente sobre os Xukuru do Ororubá, com vários artigos publicados sobre o assunto. E-mail: edson.edsilva@gmail.com






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3 comentários:

  1. Edson é d+.
    Aplicação 7B

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  2. Maravilhosa a divulgação!Fotos da Prof. Sunamita Oliveira do Blog Educar Encantando!! Abraços.

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  3. saudadesssssss do meu povo xucuru do Ororuba ass:LUCAS

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