1 de jul. de 2012

FAUSTINO E AS ESTATÍSTICAS DO CENSO

Vamos preparar os "espíritos" cristãos: Jesus viveu em Nazaré, na antiga Palestina, do lado de cá do Lago de Cafarnaum, pelo que inclusive se depreende das referências ecológicas nos Evangelhos. Pois bem: a cidade dele hoje (veja aqui os dados do Censo Israelense de 2009) tem uma população de 72 mil habitantes. Dentre eles, 49 mil são muçulmanos, apenas 21 mil são cristãos e, judeus como Jesus, são menos ainda. Então, a geografia e a história das religiões nos reservam surpresas intrigantes, não apenas pro lado do Oriente, mas também nos terreiros da gente! Mundialmente, um terço dos seres humanos pertence a alguma das seis grandes tradições cristãs (com mais de 33 mil igrejas e "seitas", sociologicamente falando), dos quais 1 bilhão de fiéis são católicos. O islamismo é a segunda maior religião do mundo, com 1,34 bilhão de fiéis, e está entre as que crescem mais rápido (veja mais no Atlas das religiões). Mas, como será aqui, entre a gente?!

Pois bem, na última sexta o IBGE divulgou novos dados do Censo de 2010 e pudemos apreciar resultados conclusivos sobre informações religiosas oficiais. O Brasil teve queda recorde da população católica entre 2000 e 2010. A proporção caiu 12,2% : passou de 73,6% dos brasileiros para 64,6%. Em 1991, os católicos eram 83% da população. Em vinte anos, a população católica diminuiu 22%, ou seja, em proporção, a Igreja Católica perdeu mais de um quinto de seus fiéis. Em números absolutos, a Igreja Católica perdeu quase 1,7 milhão de fiéis no país. O total de católicos caiu de 124,9 milhões em 2000 para 123,2 milhões em 2010. Entre 1991 e 2000, a queda na proporção de católicos também tinha sido elevada, de 11,3%, mas o número absoluto tinha aumentado. Se o ritmo de queda da última década for mantido, em vinte anos os católicos serão menos da metade da população. No estado do Rio, inclusive, já somam apenas 45% e, em Pernambuco, são 55% no Recife, 53% em Olinda, 48% em Jaboatão e somente 42% em Abreu e Lima!

Em paralelo, consolidou-se o crescimento da população evangélica, que passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010. Dos que se declararam evangélicos, 60,0% eram de origem pentecostal, 18,5%, evangélicos de missão e 21,8 %, evangélicos não determinados. A pesquisa indica também o aumento do total de espíritas, dos que se declararam sem religião, ainda que em ritmo inferior ao da década anterior, e do conjunto pertencente às outras religiosidades.Os dados de cor, sexo, faixa etária e grau de instrução revelam que os católicos romanos e o grupo dos sem religião são os que apresentaram percentagens mais elevadas de pessoas do sexo masculino. Os espíritas apresentaram os mais elevados indicadores de educação e de rendimentos.

Para uma primeira análise desses dados, servimo-nos das observações de Faustino Teixeira, do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora. O amigo Faustino foi lembrado não somente porque faz aniversário amanhã, mas também porque é autor de uma vasta obra teológica, especialmente no que se refere ao diálogo inter-religioso. Lançou recentemente os livros Mística comparada e Teologia e pluralismo e esteve no Mestrado em Ciências da Religião da UNICAP agora em abril, discursando sobre "O irrevogável desafio do Pluralismo Religioso". Na ocasião começamos a debater sobre o que já imaginávamos do "futuro das religiões no Brasil" - que, aliás, é o tema do próximo Congresso da Associação dos Programas de Pós-graduação em Teologia e Ciências da Religião do Brasil, que terá lugar em nossa Universidade Católica de Pernambuco, de 4 a 6 de setembro de 2013. Por agora, vamos comentar aí a retomada que Faustino fez da conversa no seu blog e que reproduzimos a seguir (juntamente com foto da sua passagem entre nós):

 

"Os dados que acabam de ser apresentados pelo IBGE com respeito às religiões brasileiras no Censo Demográfico de 2010 confirmam a situação de progressivo declínio na declaração de crença católica. Os dados apresentados indicam que a proporção de católicos caiu de 73,8% registrados no censo de 2000 para 64,6% nesse último censo, ou seja, uma queda considerável. Trata-se de uma redução que vem ocorrendo de forma mais impressionante desde o censo de 1980, quando então a declaração de crença católica registrava o índice de 89,2%. Daí em diante, a sangria só aumentou: 83,3% em 1991, 73,8 % em 2000 e 64,6% em 2010. O catolicismo continua sendo um “doador universal” de fiéis, ou seja, “o principal celeiro no qual outros credos arregimentam adeptos”, para utilizar a expressão dos antropólogos Paula Montero e Ronaldo de Almeida. A redução católica ocorreu em todas as regiões do país, sendo a queda mais expressiva registrada no Norte, de 71,3% para 60,6%. O estado que apresenta o menor percentual de católicos continua sendo o do Rio de Janeiro, com 45,8% (uma diminuição com respeito ao censo anterior que apontava 57,2%). O estado brasileiro com maior percentual de católicos continua sendo o Piauí, com 85,1% de declarantes (no censo anterior o registro era de 91,4%). Os dados indicam que o Brasil permanece majoritariamente católico, com mais de 123 milhões de adeptos, mas se a tendência apontada nesse último censo continuar a ocorrer teremos em breve uma significativa alteração no campo religioso brasileiro, com impactos importantes na dinâmica religiosa nacional.

O novo censo aponta um dado que já era previsível, a continuidade do crescimento evangélico no Brasil. Foi o segmento que mais cresceu segundos os dados agora apresentados: de 15,4% registrado no censo de 2000 para 22,2%. O aumento é bem significativo, em torno de 16 milhões de pessoas. Um olhar sobre os três últimos censos possibilita ver claramente essa irradiação crescente: 6,6% em 1989, 9,0% em 1991, 15,4% em 2000 e 22,2% em 2010. O Brasil vai, assim, se tornando cada vez mais um país de presença evangélica. Há que sublinhar, porém, que a força desse crescimento encontra-se no grupo pentecostal, que é o responsável principal por tal crescimento, compondo 60% dos que se declararam evangélicos (nada menos do que 13,3% de todo percentual evangélico diz respeito aos pentecostais e 4,8% aos de origem evangélica não determinada). Os evangélicos de missão não registram esse crescimento expressivo, firmando-se em 18,5% da declaração de crença evangélica.

Os “sem religião”, que no censo de 2000 representavam a terceira maior declaração de crença no Brasil mantiveram o seu crescimento, ainda que em ritmo menor do que o ocorrido na década anterior. Eles eram 7,28% no censo de 2000 e subiram agora para 8% (um índice que comporta mais de 15 milhões de pessoas), e o seu registro mais significativo continua sendo no Sudeste. Esse crescimento não indica, necessariamente, um crescimento do ateísmo, mas uma desfiliação religiosa, um certo desencanto das pessoas com as instituições religiosas tradicionais de afirmação do sentido. Reflete um certo “desencaixe” dos antigos laços, como bem mostrou Antônio Flávio Pierucci em suas pesquisas.

Os espíritas também seguem crescendo. Os dados do censo de 2010 indicam um crescimento importante, com respeito ao censo anterior: de 1,3% para 2%. São agora cerca de 3,8 milhões de adeptos declarantes. Trata-se do núcleo que tem os melhores indicadores de educação, envolvendo o maior número de pessoas cm nível superior completo (31,5%). Os dados apontados pelo censo são importantes, mas há que lembrar a presença de uma “impregnação espírita” na sociedade brasileira que escapa à abordagem estatística. Isso os estudiosos do espiritismo têm mostrado com pertinência. As crenças e práticas espíritas têm uma alta “ressonância social”, transbordando a dinâmica de vinculação aos centros espíritas.

Quanto às religiões afro-brasileiras, tanto a umbanda como o candomblé mantiveram-se no eixo de 0,3% de declaração de crença. Não houve mudança substantiva com respeito ao censo anterior, que indicava a porcentagem de 0,26% para a umbanda (432.001 declarantes) e 0,08 para o candomblé (139.328 declarantes). Mas no novo censo há uma retração numérica da umbanda com respeito ao censo anterior: de 432.001 declarantes em 2000 para 407.000 em 2010. O candomblé, que no censo anterior tinha registrado um leve crescimento, volta a ter modesto acréscimo: de 139.328 declarantes em 2000 para 167.000 em 2010.

Com respeito às outras religiões, permanecem com uma representatividade pequena que em sua soma geral não ultrapassa 3,2% de declaração de crença. Mantém-se viva a provocação feita por Pierucci em artigo escrito depois do censo de 2000 sobre a diversidade religiosa no Brasil, de que o Brasil continua hegemonicamente cristão, e a diversidade religiosa - ainda que em crescimento -, permanece apertada em estreita faixa um pouco acima de 3% da declaração de crença. Com base nos dados do censo agora apresentado, os cristãos configuram 86,8% da declaração de crença. Não há dúvida que isso pode ser problematizado com a questão complexa da múltipla pertença ou então da malha larga do catolicismo, que envolve, como diz Pierre Sanchis a presença de “muitas religiões” em seu interior."


Acesse também:
O livro do Censo 2010, com dados da população e da religião no Brasil,
O aplicativo do Censo 2010, com dados das religiões por estados e municípios.

Mais no blog:

3 comentários:

  1. Eu precisava estar vivo pra ver isso: o Brasil está mudando a sua religião hegemônica, sem precisar de uma guerra ou banho de sangue! Claro que os protestantes são um avanço frente ao catolicismo, no que diz respeito à liberdade pro povo aprender a se organizar e a pensar... Apenas me pergunto se essa vertente pentecostal, que é a bola da vez, não é tão ingênua como era o catolicismo popular. Quem viver, verá!
    Manoel Gonçalves.

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  2. Manoel Mendonça03 julho, 2012

    O que as pessoas esperam da religião a ponto de fazerem "trocas"? Será que entendem que Deus "funciona melhor" em outras religiões diferentes das suas? As religiões que estão ganhando mais adeptos não estariam oferecendo mais do que realmente podem entregar? Espero que em breve, homens como Gilbraz Aragão escreva sobre o assunto.

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    1. Manoel,
      sempre bom ver as suas provocações por aqui... Olhe, se você mesmo quiser pesquisar e escrever sobre essa linha de interpretação, há um pessoal de sociologia da religião que tem desenvolvido um paradigma da "escolha racional" para entender as opções religiosas na base de maiores benefícios e menores custos. Há uma revista da USP que trabalhou essa vertente e a gente resenhou aqui no blog: http://crunicap.blogspot.com.br/2009/04/sociologia-da-religiao.html

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