3 de ago. de 2012

KARINA VOLTOU DO CANADÁ



Karina Bezerra, praticante e pesquisadora de bruxaria, que há pouco defendeu a sua dissertação de Mestrado em Ciências da Religião na UNICAP, passou noventa dias no Canadá, onde estudou línguas e conheceu uma cultura religiosa cosmopolita... Eis o seu relato pros colegas:

Onze fases lunares e duas estações em uma terra pouco populosa, mas muito calorosa (apesar do frio ambiente!). Com faces tão diferentes quanto suas folhas e flores, que esbanjam a diversidade da vida. Um povo tão colorido quanto a beleza de sua natureza. Foi um prazer enorme todo dia conferir que o respeito à diversidade é o caminho para a paz e harmonia. Brancos, amarelos, vermelhos, pretos, azuis, rosas, roxos, verdes, e coloridos, um arco-íris que leva a um verdadeiro pote de ouro, do respeito e amor a todos os seres vivos.

Nesse encontro perto de outra cultura, onde temos a oportunidade de conhecer o outro pelo que ele é, e não pelo que nos dizem, pelo que a sua cultura tatua em sua pele, vemos simplesmente um outro ser humano, como nós, tentando viver a vida da maneira melhor que ele pensa ser.

Estudamos no Canadá com coreanos, chineses e japoneses, todos normalmente sem religião, e com sauditas muçulmanos. Evidentemente, havia uma tendência de agrupamentos entre os asiáticos orientais de um lado, e dos sauditas homens de outro – as mulheres sauditas formavam outro grupo. Mas todos estavam ali em um país estrangeiro, todos tinham o mesmo intento, necessidade, e desejo: aprender inglês. De alguma maneira isso nos aproximava, e sem dúvida, foi uma ótima experiência e exercício de compreensão com o diferente.

Os asiáticos orientais com quem conversamos não tinham religião, apenas uma garota disse ser budista. O modo de vida deles, em geral, não entra em choque com o ocidente. A única coisa que achamos estranho foi o compartilhamento do almoço na mesa do shopping: você vê os garfos pulando de um prato para outro, ou uma única vasilha para todos. Entretanto, para os sauditas a mudança é imensa. Relataremos algumas alterações que presenciamos e/ou que nos foram ditas.

Sobre a maneira de se comportar; eles não se cumprimentam com o típico “vários beijinhos”, e nem chamam um ao outro de Habibi. Foi-nos dito que não fazem isso para as pessoas não acharem que são gays. No islã existe a restrição de alguns tipos de carne, do álcool, e do fumo. A carne restrita mais comum é a de porco, no entanto, carne de animais em cujo abate não seja invocado o nome de Deus, ou os animais estrangulados, ou animais mortos por espancamento, não devem ser ingeridos. Entretanto, é quase impossível saber dessa procedência em um restaurante, sendo comum ver os árabes ingerindo carnes, exceto a de porco. Sobre o álcool, vimos o consumo explícito dele em festas. E o cigarro era extremamente comum, e até excessivo. Outra mudança interessante confidenciada, foi sobre os sunitas e xiitas serem amigos no novo país. Entretanto, uma critica foi dita em relação a essas transformações. Foi-nos dito que quando voltam para a Arábia Saudita, as diferenças tomam fôlego novamente. Se isso acontece, consideramos que faz parte do lento processo que esse país desenvolve de abertura.

Mas, temos de lembrar que as idades dos estudantes variavam entre 18 e 25 anos, sendo esta geralmente a idade de consolidação de ideias. E se esse processo de intercâmbio continuar, a tendência será a abertura do país. Vale também citarmos que o governo é quem paga o intercâmbio desses estudantes árabes.

Sobre as garotas sauditas muçulmanas, seu visual variava desde roupas “normais”, com o véu, até o niqab, roupa completa onde aparecem apenas os olhos e mãos da mulher. Temos que salientar que a restrição do véu não predomina em todos os países árabes e, dessa forma, encontramos uma mulher egípcia que não usava o véu. Outros dois pontos interessantes sobre as sauditas: as que conversamos possuíam graduação universitária, e a resposta de uma para a questão “porque você é muçulmana?” foi o seguinte: “porque eu acredito em Deus e sei que depois da morte existe o céu e o inferno”. Essa resposta perpassou todas as discussões que tivemos com os colegas muçulmanos: o medo do juízo final é o que parece conduzir seus atos na terra. Ah, não poderíamos deixar de citar que encontramos no curso um iraniano zoroastrista, filho de muçulmanos.

Nosso contato com os canadenses nativos e suas religiões se deu com os neopagãos, e com um simpático seminarista da Igreja Ortodoxa Grega. Participamos de encontros, eventos e celebrações neopagãs. A cidade em que ficamos, Halifax, possui apenas 300 mil habitantes. Baseado na quantidade de pessoas que integra o grupo Halifax Pagans/Wiccans no facebook (125), consideramos que devem existir por volta de 200 neopagãos, em Halifax e arredores. Encontramos wiccans gardnerianos/ecléticos/odyssean, druidas, e asátrus. Nessas atividades, também encontramos pessoas com dupla pertença, pessoas sem identidade religiosa especifica, convidados e curiosos. Diferente do Brasil, os neopagãos lá não possuem preconceito com o termo Wicca. Isto deve estar ligado com o estudo e conhecimento histórico do desenvolvimento da Wicca. Achamos muito interessante quando questionamos uma mulher sobre sua afiliação. Nós tínhamos ouvido que ela mexia com xamanismo. Então perguntamos: “você segue a tradição xamânica?” e ela disse: “eu pratico a Wicca eclética e sou ligada também a tradição xamânica”. É excitante conversar com pessoas que possuem domínio e esclarecimento sobre suas atividades. Outro fator interessante é que, apesar da pequena quantidade de pessoas, elas sempre realizam eventos. E as pessoas preferem pequenos grupos ou a prática solitária, isso já é uma característica dos neopagãos.

Sobre o seminarista da Igreja Ortodoxa Grega ficamos surpreendidas. Quando fizemos o tour na Igreja dele, parte das atividades da “Greek Fest”, havia uma sala dentro da igreja com uma exposição sobre a cultura grega. Nela encontramos fotos dos 12 deuses olímpicos, além dos típicos vasos gregos que mostram o corpo humano desnudo, e uma pequena estátua da deusa Athena. Quando demonstramos nossa surpresa para o seminarista, seguimos falando sobre nossa paixão pelo panteão grego, então ele disse: “sério? é tão sem graça, prefiro os nórdicos, que são guerreiros!”. Bem, sobre sua reposta poderíamos fazer várias suposições que não cabem nesse momento. O que queremos registrar foi sua simpatia e abertura mental para com o diferente. Inclusive, isso é o que mais nos recordamos do povo da Nova Scotia: simpatia e mente aberta. Era prazeroso ser tratada com tanta educação e simpatia, foi delicioso ver tanta diversidade e diferença em uma pequena cidade. Que os ventos de lá possam chegar a lugares onde preconceito, intolerância e má educação ainda estão presentes...

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