Nessa pesquisa de campo revisitei o local onde, entre 1992 e 1993, trabalhei como educador. Lá estavam vivas e vibrantes as pessoas com quem convivi durante um ano e dois meses. Minha alegria foi grande em revê-las e retomar os contatos, depois de mais ou menos cinco anos sem ir para Canta Galo, aldeia indígena do povo Makuxi em Roraima (vejam aqui uma descrição antropológica dos Makuxi, bem como da sua cosmologia e do papel xamânico das suas lideranças religiosas; saibam também aqui de livro que analisa a ressignificação da noção de espaço por esses indígenas que vivem em tensão com os brancos).
Essa aldeia fica a 230 km da capital, Boa Vista. Chegando lá, pedi a devida permissão ao Tuxaua, chefe de nossas aldeias, e como era um sábado fui convidado a participar do seu culto no domingo. Lá os moradores foram avisados sobre minha pesquisa e foram convidados a participar das entrevistas. Então resolvemos realizar as entrevistas entre pessoas que se dispusessem e entre as pessoas antigas, para observar bem as mudanças na interpretação social que eles fazem do kanaimé, do pajé, e do rezador ou benzedor.
Em geral os kanaimés são interpretados como figuras violentas, sem escrúpulos, que assustam as pessoas e provocam doenças. Já os pajés e rezadores são pessoas importantes para a comunidade. Os “trabalhos”, no caso do rezador, realizado de forma constante, e do pajé, de forma esporádica, sempre servem para livrar de doenças e produtos da inveja dos outros. O rezador realiza curas muito sérias, inclusive as relacionadas ao kanaimé. Já o pajé proporciona, em suas orações, rezas e o “bater-folhas” (forma com que eles chamam a realização das sessões), o alívio espiritual e o afastamento dos maus espíritos e doenças graves.
Um dado importante é que os índios não dispensam as intervenções médicas do branco para curar as doenças que vêm dessa sociedade. Ao mesmo tempo em que não abandonam as suas formas tradicionais para curar as doenças de índios, como, por exemplo, as provocadas pelos ataques do kanaimé. No mundo indígena Makuxi há constantes lutas espirituais que envolvem pajés, kanaimés e rezadores ou benzedores. Todos possuem suas rezas, que realizam para proporcionar o bem ou o mal, neste último caso, o objetivo mais relacionado ao kanaimé.
Na outra aldeia também visitada, Maturuca, a 320 km da capital, as pessoas que consegui entrevistar neste primeiro momento destacaram que o estabelecimento de uma convivência saudável, rica e produtiva, do ponto de vista cultural e religioso, só acontece com as ajudas dos pajés e dos rezadores. Eles relacionam, de forma bem significativa, a presença do kanaimé nas comunidades com entraves para uma boa convivência. E explicam que os confrontos entre os pajés e os kanaimés são realizados constantemente. Os pajés sentem a presença dos kanaimés, quando estes estão prontos para ataques.
No geral, as principais ideias passadas relacionam a vida indígena com a política local, interpretando e reinterpretando as noções que têm de lideranças. Em condições bem específicas, alguns indígenas têm até influência na política local, nos municípios do Uiramutã e de Normandia. Isso transparece em suas entrevistas, nas quais depõem que o exercício de poder religioso das figuras do pajé, do kanaimé e do rezador está intimamente ligado também às questões políticas conflituosas da região das Serras, lugar em que Maturuca está. Esses são fragmentos do meu Caderno de Campo, para despertar a curiosidade de vocês, e mais detalhes descreveremos e analisaremos em nossa dissertação: aguardem!
Manoel Gomes Rabelo Filho,
mestrando em Ciências da Religião na UNICAP.
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