A civilização é impulsionada por forças ecológicas, pela natureza cega, ou ela é produto da mente humana, capaz de criar sentidos e de simbolizá-los, de reorganizar a natureza e os nossos instintos, de nos humanizar na medida em que humanizamos o mundo? Pensávamos, há coisa de vinte anos, em qualquer ambiente de estudos antropológicos, que a agricultura fosse a propulsora das cidades, da escrita e da arte. Mas a descoberta do templo mais antigo do mundo, erguido há quase 12 mil anos no sul da atual Turquia, sugere que a civilização nasceu do impulso da devoção. Vejam a reportagem de Charles C. Mann na National Geographic brasileira, edição 135, de junho/2011:
“De tempos em tempos, a aurora da civilização é reencenada em uma remota colina no sul da Turquia. Os participantes chegam de ônibus turísticos, e são turcos em sua maioria. Os ônibus sobem aos solavancos pela estrada tortuosa e atracam como couraçados defronte a um portal de pedra na crista do monte. Despejam uma avalanche de gente às voltas com garrafas d'água e tocadores de MP 3. Os guias se esgoelam em instruções e explicações. Os visitantes não ligam e se dispersam monte acima. Quando chegam ao topo, é um festival de queixos caídos.
Dão de cara com dezenas de imensos pilares de pedra, dispostos em círculos, tombados uns sobre os outros. Conhecido como Göbekli Tepe, o sítio lembra Stonehenge, na Inglaterra, só que foi construído bem antes e não com blocos toscos, mas pilares de calcário esculpidos e decorados com baixos-relevos de animais: um cortejo de gazelas, serpentes, raposas, escorpiões e javalis ferozes. O conjunto foi erguido há cerca de 11,6 mil anos, sete milênios antes da Grande Pirâmide de Gizé. Ele contém o mais antigo templo conhecido. Göbekli Tepe, aliás, é o mais antigo exemplo de arquitetura monumental, a primeira estrutura maior e mais complexa que uma cabana que o homem já edificou. Pelo que sabemos, quando esses pilares foram erguidos, não existia nada no mundo em uma escala comparável.
Na época da construção de Göbekli Tepe, boa parte da raça humana reunia-se em pequenos grupos nômades que sobreviviam do extrativismo vegetal e da caça. Para edificar o sítio, foi preciso um ajuntamento de pessoas em dimensões inéditas. É impressionante que os construtores do templo tenham sido capazes de cortar, moldar e transportar pedras de 16 toneladas por centenas de metros sem dispor de rodas ou de animais de tração. Os peregrinos que vinham a Göbekli Tepe viviam em um mundo sem escrita, metal ou cerâmica; para quem se aproximava do templo vindo de baixo, os pilares assomavam como gigantes inflexíveis, e os animais entalhados, tremeluzindo à luz do fogo, deviam parecer emissários de um mundo espiritual que a mente humana talvez apenas começasse a conceber.
Os arqueólogos ainda estão escavando Göbekli Tepe e debatendo seu significado. Mas já sabem que esse sítio é o mais importante em uma série de descobertas inesperadas que revolucionaram as ideias anteriores sobre o passado remoto de nossa espécie. Há apenas 20 anos, a maioria dos estudiosos acreditava saber a época, o local e a sequência aproximada da Revolução Neolítica, a crucial transição que resultou no surgimento da agricultura e transformou o modo de vida do Homo sapiens. De caçadores-coletores em grupos esparsos os homens passaram a viver em povoações agrícolas e mais tarde em sociedades tecnologicamente refinadas, com grandes templos, torres, reis e sacerdotes que dirigiam o trabalho dos súditos e registravam seus feitos por escrito. Várias descobertas recentes, todavia, com destaque para Göbekli Tepe, estão forçando os arqueólogos a reconsiderar.
De início a Revolução Neolítica foi vista como um evento isolado - um lampejo de genialidade - ocorrido em um único local, a Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates na região do atual Iraque; teria depois se difundido para Índia, Europa e outras partes. A maioria dos arqueólogos supunha que esse repentino florescimento da civilização resultara sobretudo de mudanças ambientais: um aquecimento gradual em fins da Idade do Gelo, permitindo que pessoas começassem a cultivar plantas e criar animais em abundância. Os novos estudos sugerem que a "revolução", na verdade, foi obra de muitas mãos em uma área imensa, no decorrer de milhares de anos. E pode ter sido impulsionada não pelo ambiente, mas por um fator diferente...”
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