Falando como os orientais, "extinguiu-se" ontem, em sua casa na Espanha, aos 91 anos, Raimundo Panikkar. Nós o conhecemos em um encontro inter-religioso em Marselha e ficamos admirados com a sua simplicidade e afabilidade - quando Maria Clara nos apresentou, dizendo que a gente pensava em interpret(penetr)ar cristianismo e xangô no Recife, ele deu uma boa risada (sua vida foi fazer isso mesmo com o budismo!). Nossa ex-aluna da UNICAP, Franci Ronsi, está agora na PUC-Rio fazendo doutorado justo sobre o seu pensamento. Ele é autor de uma teologia desafiadora, nas fronteiras das religiões, bem resumida na reportagem que transcrevemos abaixo (de Maria Bettetini, publicada no jornal Il Sole-24 Ore, em 16/05/2010, com tradução de Moisés Sbardelotto). É a nossa homenagem a um grande pensador da nossa área de conhecimento!
Mística não é uma palavra bonita. Dá um pouco de medo, lembra jejuns e também possíveis delírios. A desconfiança se desfaz quando se encontra um "místico", uma pessoa, homem ou mulher, que vive o outro mundo. Porque se verdadeiramente aquele ou aquela é capaz de entrar no mysterium, que etimologicamente precede a mística, então não será um homem triste.
Assim ensinam as grandes tradições religiosas, e assim lemos também nas páginas de uma figura ao mesmo tempo fascinante e tímida, um padre com quase 92 anos que vive nos Pirineus em Tavertet, na Espanha, com 150 habitantes. Catalão de origens indianas, Raimond Panikkar escreveu muito nas últimas décadas e muito recolheu das tradições familiares. Muito foi amado e muito também foi criticado por causa da excessiva – no parecer de alguns – suavidade com a qual aproximou as tradições cristãs e o Oriente, Jesus e Buda. "Não me considero meio espanhol e meio indiano, meio católico e meio hindu, mas totalmente ocidental e totalmente oriental", afirma, concluindo: "Sempre fui atraído por aquilo que se costuma chamar de problema religioso".
No seu pensamento, da contemplação à ação, da oração ao compromisso político. A sua filosofia se destina à integração das diversas dimensões da realidade, localizadas na tríade humano-divino-cósmica (ou também consciência-liberdade-matéria). Nessa sua visão (que denominou de cosmoteândrica ou teantropocósmica), as três dimensões se co-pertencem, permanecendo distintas mesmo sem serem separáveis.
Segundo Panikkar, não existe um Deus que não o seja senão por causa dos homens: enfim, as três dimensões – mesmo sendo distinguíveis – são inseparáveis. Raimon Panikkar nasceu no bairro barcelonês de Sarriá, com os genes de uma mistura agora muito na moda, mas naquele momento menos agradável. Fugiu de uma Espanha que enforcava padres e irmãs, estudou na Alemanha e depois de uma aventurosa viagem de bicicleta voltou para a sua Barcelona para se formar e para se ocupar dos assuntos da família.
Estudou também teologia e tornou-se padre em 1946. Nos anos 50, nem sempre em amoroso acordo com a hierarquia, Panikkar começou a escrever e a se interessar pela cultura religiosa de seu pai. Partiu para a Índia e depois declararia: "Parti cristão, me descobri hindu e retorno budista, sem deixar, por isso, de ser cristão".
Na Índia, viveu em Varanasi, a cidade santa do hinduísmo, em um pequeno quarto em cima de um velho templo de Shiva, ao lado do Ganges. Viveu feliz, dedicando-se ao estudo, à escrita, à oração e à meditação. Trabalhou como pesquisador nas universidades de Varanasi e de Mysore, aprofundando as raízes do hinduísmo e do budismo.
Escreveu muito, muitíssimo. O andamento do seu pensamento é em espiral: os temas são constantes, mas cada texto individual – e cada nova edição deles – traz uma ou mais variações decisivas. A Itália, terra de grandes compromissos, é a sua pátria cultural, e é em italiano que ele está publicando a sua opera omnia, da qual faltam poucos volumes.
"Vita e parola. La mia Opera" [Vida e palavra. A minha obra], organizado por M. Carrera Pavan (Oca Book, 160 páginas) reúne as introduções aos primeiros 12 tomos, um simples e claro convite a não ter medo da mística, porque, "sem o seu corretivo, reduzimos o homem a um bípede racional, quando não racionalista, e a vida humana, à supremacia da razão".
A mística "não é um privilégio de poucos escolhidos, mas sim a característica humana por excelência", uma "experiência integral da Vida", que resgata o humano "do domínio, para não dizer da tirania, da dialética, dado que não podemos pensar na sua negação": não podemos ser conscientes da não vida, da morte. Essa sucessão de simples e serenos – sim, muito serenos – pensamentos encoraja a desfrutar com alegria o dia presente: "Em vez de se lamentar pelas dificuldades de viver, adiando o momento de desfrutar profundamente desta vida a um dia que nunca chega", Panikkar convida a "encontrar o sentido em cada instante".
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