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As festas juninas têm um caráter público, popular e sincrético em Pernambuco, que muito ultrapassa as devoções do catolicismo proeminente ou o campo estritamente religioso (veja aqui reflexão sobre São João e Inculturação). Alguns bairros do Recife e também algumas cidades do interior do Estado conservam a tradição da Bandeira de São João e do Acorda Povo (veja aqui imagens dessa festa no Ibura e aqui vídeos da festa em Areias). São belos exemplos da criatividade "ecumênica" de uma "religiosidade civil" pernambucana.
Às vezes os nomes se equivalem, mas normalmente a Bandeira é procissão que sai à noite, na véspera do São João, ao som de orquestra e instrumentos de percussão, levando uma bandeira de pano do santo, estrela iluminada com a sua figura e andor com São João (que na verdade é Xangô dissimulado pelo Povo dos Terreiros afro-negro-brasileiros, devido ao enfrentamento/apropriação dos símbolos da religião dos colonizadores escravistas). O Acorda Povo é cortejo que sai antes, na madrugada desse dia, ao som de zabumba e caixa, sendo bem espontâneo - mas não menos tocante enquanto convocação popular para os festejos sagrados, que muitas vezes encerra-se com o levantamento da "bandeira" da festa.
Para a Bandeira de São João, a casa da "juíza" da Bandeira, com o altar do santo cheio de velas e flores, é tomada por crianças, bolos e pamonhas, canjica e milho assado, cozido e quentão. (Já se disse que "xangô é bom para comer" - mas vá numa novena de qualquer santo do povo católico, ou mesmo qualquer culto de crente! "A fé entra pelo ouvido", mas a gente também pode ser "pego pela boca", né?! Além do que, toda religião é um sistema simbólico-cultural para proteger a replicação dos nossos genes e a criação dos nossos filhos - e por isso se preocupa sempre com o que a gente "come", posto que "a gente é o que come"! "Panis angelorum" - santo oximoro!).
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Canta-se a ladainha de São João e se puxa o rosário. A procissão da Bandeira segue com o povo cantando versos em ritmo dançante, soltando fogos e até balões. A fogueira que hoje é acesa pro São João cristão já ardia nos cultos solares pelo solstício de inverno dos indo-europeus (no hemisfério sul, o dezembro de lá corresponde a junho!). Não é de admirar, pois, que o São João do carneirinho e das fogueiras (santo querido pelos colonos portugueses, mas rebaixado liturgicamente desde a Romanização da Igreja - que propagou o Coração de Jesus e as três "devoções brancas": Eucaristia, Nossa Senhora e o Papa) tenha sido sincretizado com Xangô em Pernambuco, orixá guerreiro que cuida do raio e do fogo e se alimenta de bode, somatizando o arquétipo do empenho pela justiça nas religiões de origem afro (pra saber mais, veja MOURA C.(Org). Bandeira de Alairá: outros escritos sobre a religião dos orixás. São Paulo: Nobel, 1982; veja também aqui dissertação sobre anti-sincretismo do nosso Mestrado).
Não se pode estranhar, então, igualmente, o entrecruzamento cultural-religioso das celebrações mais oficiais que marcam as festividades juninas do Recife e região. (Afinal, quem faz um "Carnaval Multicultural" tenderia mesmo a fazer um "São João Multireligioso"... Apenas deveríamos nos perguntar se o popular e o religioso não são aqui estandardizados e espetacularizados pela indústria turística, via órgãos estatais). Neste ano de 2011, além de Festivais de Quadrilhas, Caravanas de Forró, Repentistas nos Mercados, o Recife terá uma Mostra de Culinária Afro: no dia 26 de junho, a partir das 15h, os pratos da culinária afro-brasileira ganham destaque no Pátio de São Pedro. Sob a pisada do coco dos grupos Chinelo de Iaiá e Raízes de Arcoverde, o público terá a oportunidade de degustar gratuitamente pratos oferecidos a Xangô e outras iguarias tradicionais dos rituais de matriz africana como beguiri, caruru, amalá, mungunzá, arroz doce, acaçá branco, acará, angu, pamonha, vatapá, tapioca ensopada e xinxim de galinha. A Mostra, com convidados e cozinheiros de Terreiros autênticos, é organizada pelo Núcleo de Cultura Afro-Brasileira, da Secretaria de Cultura da cidade!
Barracas de comidas típicas já não faltaram no Sítio e no Pátio, para a Procissão e o Desfile dos santos juninos. No último dia 17 de junho aconteceu a Procissão dos Santos. O cortejo fez homenagem a São João, São José, Santo Antônio, São Pedro, Santa Isabel e Sant’Ana, representantes dos festejos juninos. Saindo do Morro da Conceição, local de tradição religiosa e de intensa participação popular em ritos devocionais, a procissão desceu por Casa Amarela e seguiu até o Sítio Trindade, com bacamarteiros à frente fazendo a guarda dos santos. E no dia 22 de junho foi a vez do Desfile das Bandeiras de Santos Juninos, no Centro do Recife. "Sempre realçando o sincretismo religioso da cidade" (como está dito na programação oficial), a procissão agregou praticantes de diversas religiões ou mesmo admiradores, saiu da Praça Maciel Pinheiro e passou pela Rua Nova, até chegar ao Pátio de São Pedro. É de se notar também neste caso - e essa fronteira enseja boas pesquisas e reflexões - que não foram os animadores católicos da religião desses santos que organizaram tais festivais, mas sim os animadores culturais da prefeitura (santa laicidade!), com apoio e participação de grupos populares...
E as festividades "religiosas" juninas do Recife só vão se encerrar com a Procissão de São Pedro e o Concurso de Barcos Decorados: no dia 29 de junho, às 13h, os pescadores da Colônia Z1, do Pina, desfilarão com suas embarcações para honrar o santo protetor e participar de concurso de barcos decorados (veja aqui referência a dissertação do nosso Mestrado sobre a devoção a São Pedro no Pina). Fecha-se assim o ciclo das devoções populares (e oficiais/espetaculares?!) a São João, padrinho do roçado e do rebanho (ou será a Xangô, cuidador do raio e da justiça?!), com seus colegas José, Antônio e Pedro, encarregados "sobre(ou super)-naturais" de arrumarem chuva, casamento e casa. O que se pode querer mais, em uma cultura que há pouco saiu (?!) da dependência da natureza para fazer a sua agricultura e a sua coleta, as suas famílias e as suas festas?!
Gilbraz.
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