23 de jun. de 2012

QUESTÃO DE FÉ NO SÃO JOÃO


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Passamos esta noite de São João em Olinda e fomos surpreendidos com a apresentação de uma quadrilha daqui, de Águas Compridas, que ganhou até prêmio por aí. Mas se prêmios tivéssemos, também lhe daríamos, pela defesa que fez do diálogo inter-religioso e da terapeutização e humanização da linguagem de toda religião. Criticou os abusos dos líderes religiosos e defendeu com humor o fim da discriminação aos grupos e tradições marginais, encarnados por uma cigana. Parabéns a esse pessoal, que começou organizando o folguedo de uma escolinha na periferia...

Hoje consegue articular um coletivo de dançarinos, animar a sua comunidade e tocar uma empresa cultural. E amanhã... Quem sabe?! "As culturas populares no capitalismo" (Canclini) pavimentam uma via de mão dupla: reproduzem a estética e os valores burgueses, mas afirmam os sonhos/protestos de um outro mundo possível. A gente sente falta das danças participativas e improvisadas em mutirão no interior, mas o "espetáculo" produzido empresarialmente no mundo urbano também pode trazer uma mensagem contracultural e libertária.

Pois, precisamente, a Quadrilha Junina Raio de Sol, neste São João, dançou o tema "Questão de fé: contra a intolerância religiosa". Lembrou - sem querer (?!) e não só pelo título - um grande livro, "Questions of faith: a skeptical affirmation of christianity" (Peter Berger), e dramatizou um exercício, literal, de "teologia pública", iluminando as religiões da nossa região e mostrando qual é a religiosidade que faz sentido para a mentalidade crítica e cética do nosso tempo.

O pessoal fez um show misturando passos das quadrilhas tradicionais com as músicas e fatos atuais da nossa cultura nordestina, atualizando a sátira social do "casamento matuto" contra pastores, padres, mães-de-santo e médiuns anuviados, e mostrando igualmente que a vida pode ser cheia de milagre - é só questão de fé! Uma coisa que não se compra - e os pobres têm de sobra...
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E a fé esclarecida pode ajudar a restaurar e transcender os limites da natureza e da convivência humana, foi a mensagem que ecoou na Praça do Carmo pelos saltos de um humilde e esperto aleijado, mostrando a força da festa junina entre nós, o poder transformador do avesso de nosso tecido social! Essa quadrilha (que pode ser encontrada aqui, no facebook) valeu por um bonito sermão ou tratado transreligioso, recolocando luminosamente sob desconfiança os "deuses que não sabem dançar". Viva a santidade popular e ilustrada da Raio de Sol!

Gilbraz Aragão.

Mais sobre São João aqui no blog.

3 comentários:

  1. Poxa, queria saber falar bonito assim por que é exatamente como enxergo a Raio, um dia chego la, rssrrrs. Ano que vem, 2013, oque a Raio trará de seus baus ricos de histórias? Só sei que estarei dancando novamente lá o/

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  2. Tou impressionada com a riqueza da cultura nordestina. Acompanhando as notícias do São João aqui neste blog, descubro que há muito mais mistérios entre o céu e a terra do que eu imaginava. Obrigada pelas informações e parabéns pelo blog! jaqueline Vasconcelos.

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  3. Gil, como sempre você consegue extrair, nos mínimos detalhes, o que é fenomenal nas religiões interligadas a cultura.Que bom refletir e continuar refletindo com o olhar das ciências da religião ! Cada dia que passa curto,um pouco mais, ser ex-aluna deste MESTRADO. Um abração. Maristela Velozo.

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