8 de mar. de 2012

DESAFIO DO PLURALISMO

O Ministério Público da Bahia deu entrada no Tribunal de Justiça do Estado em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei de Ilhéus que obriga alunos e professores do ensino público a rezarem o pai-nosso antes das aulas. A lei é de autoria do vereador evangélico Alzimário Belmonte Vieira (PP) e foi sancionada no final do ano passado pelo prefeito Newton Lima (PT), mas é considerada como imposição do rito de uma religião através do Estado. O impasse está ocorrendo também em outros municípios Brasil afora, inclusive quanto à distribuição de bíblias...

O Ministério Público Federal em São Paulo enviou uma representação ao Banco Central do Brasil para que deixe de imprimir nas cédulas do real a frase “Deus seja louvado”, de modo a cumprir a laicidade do Estado, prevista na Constituição. O BC repassou o problema pro Conselho Monetário Nacional, que é o responsável pela emissão de cédulas do país, mas argumentou que "a República brasileira não é antirreligiosa ou anticlerical, o que não impede que as cédulas tenham a referência a Deus, como, inclusive, se repete na própria Constituição". E como ficam os ateus e agnósticos do Brasil? E os politeístas, feito os que já eram donos dessas terras, antes do dinheiro chegar...

Estudante de uma universidade de freiras em São Paulo obteve do Juiz Federal de Bauru o direito de faltar às aulas às sextas-feiras à noite e aos sábados. Ela é fiel da Igreja Adventista do Sétimo Dia, religião que prega o recolhimento nesses períodos. O juiz determinou que a universidade aceite trabalhos extraescolares em substituição à sua presença nas aulas. Procedimentos semelhantes têm acontecido com judeus no Rio de Janeiro, mas a questão é polêmica e poderá chegar ao STF porque, como o Estado é laico, a Justiça deveria considerar que todos são iguais diante da lei, independentemente de sua crença religiosa...

Pela laicidade do Estado brasileiro, expressa na Constituição, o dinheiro do erário e o espaço público não podem ser alocados para obras de cunho religioso. Mas ainda assim estão em curso licitações para construção, em várias cidades, de estátua de Iemanjá, imagem de Nossa Senhora e monumento em homenagem à bíblia. E onde os símbolos de uma tradição religiosa são colocados, com apoio de autoridades locais vinculadas, normalmente surgem protestos das outras tradições...

A CBF proibiu culto na concentração dos jogos da Seleção Brasileira. “Quem quiser, que reze no quarto”, disse o diretor de seleções. As declarações de Sanchez são um aviso para os jogadores evangélicos e os pastores que vinham impondo sua religiosidade à seleção. O futebol, os esportes e as artes em geral, sobretudo quando aparecem nos meios de comunicação de massa, têm sido explorados pelo proselitismo de algumas igrejas - e por vezes contra as outras...

Não se pode usar a TV, concessão pública, para incentivar o preconceito religioso. Mas recentemente uma rede de televisão ligada a Igreja viu-se obrigada pela justiça a apresentar programa do Povo de Santo como direito de resposta por suas afirmações difamatórias contra as religiões afro-brasileiras. As virtudes de uma pessoa não têm necessariamente relação com suas crenças e a sociedade brasileira precisa continuar se educando para a convivência cultural pluralista, para a diversidade religiosa fraterna...

Estas são algumas das notícias que nos chegaram ultimamente, não bastassem aquelas relacionadas aos descaminhos do ensino escolar das religiões, denotando que o crescente pluralismo religioso e a convivência plural das tradições espirituais no espaço público constituem um desafio não somente para as legislações dos Estados e para a ética e a etiqueta da nossa convivência civilizada, mas também para as teologias de todas as religiões. Um bom subsídio pra gente refletir sobre esse tema é o livro de Faustino, Teologia e pluralismo religioso (Nhanduti, 2012). Faustino Teixeira, da Universidade Federal de Juiz de Fora, é autor de uma vasta obra teológica, especialmente no que se refere ao diálogo inter-religioso. No vídeo abaixo (que possui 10 partes), podemos assistir ao lançamento do seu novo livro em São Paulo.

E no dia 27 de Abril (sexta-feira), 19h, Faustino fará Palestra sobre "O irrevogável desafio do Pluralismo Religioso", no Auditório do CTCH da UNICAP (com entrada franca).



5 comentários:

  1. Entre os anos 60 e 70, muitos americanos se converteram ao islamismo, entre eles personalidades pop como o lutador Classius Clay e o cantor Cat Stevens. Isso ajudou bastante a difundir a doutrina islâmica mundo afora. Era charmoso, com uma certa tinta contracultural até. Naquela altura, ninguém imaginaria que a religião islâmica seria a máquina de morte em que se transformou hoje. Hoje também evangélicos às pencas, dispostos a carregar mais ovelhas para seu rebanho, invadem a internet como pragas no Egito para difundir seu pensamento moral totalitário em comentários nem sempre felizes ao pé de blogs e sites de notícias. E os católicos buscam, com a Renovação Carismática e sob o comando de um papa sem carisma, a volta dos fiéis pela espetacularização da fé através da missa-show e do sermão-palestra motivacional...
    Leia mais da crônica Fundamentalistas, do cantor e compositor Zeca Baleiro, na Istoé:
    http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/175865_FUNDAMENTALISTAS

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  2. O comentário acima é apenas fruto do uso de mídia (monitoramento de internet, por meio de palavras-chave/links) atribuído a um texto de Zeca Baleiro, na Isto é, tratando do assunto, com mais de 400 comentários. No entanto, o consumo desse tipo de publicação não se dá apenas pela sua veiculação, mas, sobretudo pelo trabalho de pessoas na rede, investigando, monitorando e tornando a publicação vista, ou seja, o que for das marcas, visíveis.... Duas coisas aprendemos aqui: a) o bom conteúdo ofertado por este blog; bem como, b) o fluxo de visitantes/leitura que o blog tem proporcionado. Parabéns Gilbraz.

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  3. Olá, professor!

    Fui convidado para dia 20 do mês corrente, às 19h, ministrar uma palestra no templo da Primeira Igreja Batista de Carpina sobre o tema: Perseguição, Perseguidores, Perseguidos. A intolerância religiosa no Brasil é nossa velha conhecida. No Brasil, onde o catolicismo foi considerado por muito tempo religião oficial, a chegada dos protestantes de imigração (luteranos alemães), mas sobretudo dos protestantes de missão (missionários da outra América), nos primeiros anos do século XIX, gerou várias tensões. Os crentes eram insultados como nova seita e bodes. Porém, as atitudes de muitos evangélicos, em seu afã proselitista, é marcada também pela intolerância a outras religiões. A divulgação da sentença de morte do pastor Youcef Nadarkhani, no Irã, por se recusar a voltar a sua antiga religião, o Islamismo, tem chamado a atenção para o tema no campo evangélico brasileiro.

    Júlio César T. Dias
    Mestrando em Ciências da Religião - UNICAP.
    Professor Executor - EAD - UFRPE.

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  4. Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.

    Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico.

    Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar "crente", com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).

    Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.

    Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?

    Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?

    Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português.

    Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges...

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  5. ... Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?

    Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria.

    Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.

    Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.

    Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.

    Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista.

    O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo.

    Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador.

    Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.

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