19 de set. de 2010

RELIGIÃO ATRAPALHA VESTIBULAR?!

O Diário de Pernambuco deste domingo noticiou (veja aqui) pesquisa realizada pelo Departamento de Economia da UFPE, apontando que renda familiar, educação dos pais e chance de fazer cursinhos pré-vestibulares são pontos favoráveis aos feras. A pesquisa também mostrou que candidatos que se declaram cristãos têm menos chances de passar no vestibular.

Como a reportagem publicou apenas uma linha do comentário que nos pediu, vamos transcrever aqui um trecho e apresentar as razões do nosso depoimento, para alimentar o debate sobre a polêmica que certamente vai rodar a cidade esta semana...

Trecho do Jornal:

De acordo com o estudo Determinantes sócio-econômicos na probabilidade de aprovação no exame vestibular: uma análise entre os campi da UFPE, que pesquisou 2.992 perfis de estudantes que se inscreveram para cinco cursos da instituição (pedagogia, engenharia civil, economia, administração e design) na seleção do ano passado, o perfil do "fera ideal" é aquele que faz "cursinho", não declara ser religioso, vive em família de boa renda, faz concurso na região onde mora e tenta o vestibular pela segunda ou mais vezes...

Um dos pontos polêmicos da pesquisa é o fator "religioso". O estudo mostrou diferentes chances de aprovação conforme aspectos pessoais da crença dos candidatos. Os autodeclarados católicos ou evangélicos têm 36% e 41% menos chance de aprovação. O curioso é que em relação a outras seitas e credos - como o judaísmo e as religiões afro, que não fazem parte da matriz cristã e suas dissidências pentecostais, entre outras, - a variável não implica em resultados consideráveis. O resultado gerou opiniões divergentes entre representantes religiosos.

Presidente da Convenção Batista de Pernambuco, o pastor Ney Silva Ladeia declarou-se "incrédulo" em relação à pesquisa. "Fica difícil opinar sem ter acesso. Mas essa observação que fazem é um pouco simplória. Se formos analisar, os que desenvolvem o comprometimento religioso em geral são mais disciplinados", O teólogo Gilbraz Aragão, coordenador do mestrado em ciências da religião da Unicap, tem outra visão. "No século 19, intelectuais passaram a cultivar a razão, deixando a Igreja para se dedicar aos estudos".

Agnóstica, a aluna do 3º ano do Colégio Atual, Júlia Rodrigues, 17, achou engraçada a "vantagem". Candidata à medicina, ela estuda em período integral na escola. Em casa, faz revisão.. "Estou me preparando. Quero passar pelos meus próprios méritos".
 
Razões do Comentário:
 
Então, considerando que os dados da pesquisa estejam corretos, a sua interpretação até que não seria tão complicada. Por que a meninada católica e, mais ainda, evangélica, tem menos chances de aprovação no vestibular? Uma possível explicação tem a ver com a história: apesar das universidades terem surgido nas escolas das catedrais cristãs européias, a razão moderna que aí se cultiva e desenvolve mundo afora foi sendo anatemizada pelas Igrejas (veja-se o caso Galileu e assemelhados). E também, por vezes, o diálogo esmaece porque a ciência ganha auras sagradas e "excomunga" tradições sapienciais e simbólicas da humanidade... 
 
Em fins do século XIX e início do século XX, de fato, assistiu-se a uma ruptura entre fé e ciência no mundo ocidental. Claro que o cristianismo teve em 1964 o Concílio Vaticano II, que buscou resgatar o paradigma moderno e ilustrado (reconhecimento dos direitos humanos, da até então condenada liberdade de religião e consciência, afirmação do ecumenismo e nova relação com os judeus, o islã e as outras grandes religiões, além de uma nova atitude frente à ciência, o progresso e, em geral, o mundo secular moderno - com a supressão do juramento antimodernista e do índice de livros proibidos).
 
Mas nem todos os católicos ainda assimilaram, como João Paulo II o fez explicitamente, por exemplo, que a "teoria da evolução" de Darwin é uma realidade que impõe uma nova hermenêutica da "criação" nos textos sagrados (Em 2000, o pontífice também pediu perdão pelos "erros cometidos a serviço da verdade por meio do uso de métodos que não têm relação com a palavra do Senhor"). E, ainda mais no pietismo evangelical, muitos irmãos têm dificuldades para perceber que “a fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva à contemplação da verdade” (vejam, a propósito, o documentário satírico Religulous!).
 
Seria compreensível, pois, que uma família ou pessoa de fé cristã com uma teologia atrasada tivesse mais dificuldades para adentrar o mundo universitário da tecno-ciência (e da sua meta-teoria do conhecimento!) - o que não é tanto o caso de tradições religiosas mais livres (o judaísmo é hoje mais cultural e menos eclesial) ou pouco sistematizadas (como as de matriz afro-negro-brasileira). Todavia, há pontes sendo contruídas entre ciência e religião, entre os crentes e a universidade...
Gilbraz.
 
Mas aí, o que você pensa: a religião diminui mesmo a chance de passar no vestibular? Por quê?!
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11 comentários:

  1. eita, é simples, professor (deixe de enrolada):
    os católicos não passam direito no vestibular porque ficam fazendo promessas pros santos e se esquecem de estudar... e os evangélicos porque só lêm a bíblia, coisa que não cai nas provas!
    quanto aos afro e tal, eles passam mais porque fazem macumbas, têm mais poder! e quanto aos judeus, é porque têm mais dinheiro, né? Deve ser...
    Danilo Gomes.

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  2. Talvez o esclarecimento sobre a religião não seja suficiente para contribuir quanto a esta dificuldade em reconhecer que fé e razão, caminham juntas dai o pietismo evangelical. Mas, que a religião diminua a chance de passar no vestibular,penso que não. É fato ser necessário o conhecimento para se obter uma base no discernimento, mais acredito que as vivências do cotidiano e as experiências de vida também sobrevivem como suporte para esta inserção no ambiente acadêmico.Mesmo havendo um atraso religioso.
    Mazezinha

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  3. Concordo com você Gilbraz quando diz que a questão é histórica. Mas acredito, ainda, que ela pode ser ampliada para a questão político-econômica. Sabemos que nossa legislação educacional propõe, para o ensino, o desenvolvimento de várias competências e habilidades. Entretanto, sabe-se também que isso, muitas vezes, é apenas uma estratégia para conseguir financiamentos internacionais ficando as ditas propostas apenas no papel (quem duvida é só perguntar a qualquer professor de escola pública). Além do mais, e na maioria dos casos, não há formação suficiente, na graduação (teórica e/ou prática) para desenvolver essas propostas (e não me venham falar dos estágios de docências. Eles são um espaço para que o professor, receptor do graduando na escola pública ou privada, esquive-se de ministrar uma sobre um assunto que ele não "domina". Isso quando eles nos recebem para o estágio). Então, essa história de que a pertença religiosa é um fator que leva a não aprovação do candidato na universidade é balela. O que falta é um ensino de qualidade dissociado do fator econômico. Isso vale para todas as instituições de ensino - de nível médio e superior também.

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  4. Há que se reconsiderar tudo que já foi falado aqui, mas no fazer ciência há práticas como, considerar para pesquisa matrizes que não são adequadas, sob vias de apresentar resultado que provoque impacto mas não a verdadeira realidade. Então, considerar vias de fé associadas à prática do conhecimento científico, pode ser mais uma forma de perpetuar a velha discussão da soberania da ciência em detrimento da religião, por exemplo (tendencioso). Outra questão, é possível que quem se declara, católico e/ou evangélico pode não ter tido oportunidades na vida por fatores econômicos, então, como resolver a questão? O problema não seria pobreza e suas consequências ao invés de crença?

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  5. Karina O. Bezerra20 setembro, 2010

    Quando eu li essa reportagem me veio logo na cabeça a turma a quem eu dou aula. Em dois meses dei aula em duas escolas públicas. E posso confirmar para vocês que a turma que teve mais rendimento foi a do bairro mais pobre e em que os alunos não jogavam argumentos religiosos nos questionamentos, e quando surgiam eu explicava e eles entendiam. A outra turma que me parece ser religiosa, tenho um grande problema para ensinar a eles, e sabem porque? porque eles acham que as coisas que falo são mentiras, porque é o homem quem diz, a verdade é a palavra de Deus (que não sabem eles que também foi o homem que fez). Desse modo, eles não conseguem compreender o assunto e tem muita dificuldade de raciocínio. Eles não são acostumados a raciocinar, porque talvez eles só aceitem as coisas na sua vida como verdade, como dogmas a serem feitos e não discutidos. Bem, essa é a minha experiência empírica.

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  6. Ao ler o artigo fiquei pensando que faltam informações para que se possa chegar a conclusões mais especificas. Qual era a renda mensal das famílias dos católicos e evangélicos pesquisados? Onde estudaram o ensino fundamental e médio? Em escolas públicas ou particulares?
    Entretanto, pareceu-me que a pesquisa indica pelo menos duas coisas:
    • Apesar de alguns sinais de mudança (abertura de unidades/extensões em cidades do interior), o acesso à Universidade Pública continua elitista.
    • O “fera” ideal vive em família de boa renda, faz ‘cursinho’ onde recebe bizus e dicas.
    É possível para um(a) estudante cuja família ganha R$ 300,00 por mês pagar um ‘cursinho’ onde, entre outros, receberá ‘bizus’? Mesmo que consiga uma bolsa, ainda terá que superar a falta de alimento com as vitaminas, proteínas e sais minerais necessários. Que chance terá ele(a) para competir por uma vaga na Universidade Publica com alguém que ‘vem’ de uma família que recebe R$ 5.000,00 por mês?
    Maruilson Souza

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  7. ótima idéia: cruzar os dados dos religiosos cristãos com os dados dos pobres sem-cursinho (e sem outras coisas mais), pra ver se não se trata exatamente do mesmo grupo, né?! se a suspeita se confirma, porém, a pesquisa deve ser reaberta e será ainda mais intrigante: os pobres que tentam o vestibular público (e têm em torno de 40% menos chance de aprovação) são majoritariamente cristãos... por quê?!

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  8. Gilbraz: A problema que você levante me parece ser o "x" da questão. Acho inclusive que ai está um boa dica para alguém reabrir a pesquisa.
    Abrs,
    Maruilson

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  9. Uma lida no artigo cf blog dá a impressão de exclusão ou "exclusivismo". A idéia de unir pobreza com religião e aprovação no vestibular acaba por segregar as pessoas. Não é bom tendenciar as coisas. Pertença religiosa não é para anestesiar ou embrutecer a 'razão'. Penso que quando procura o divino o ser humano tem sempre condições de ler e conhecer a vida, as ciências, os desafios, os sinais dos tempos, a beleza da arte, a diversidade das culturas e se apaixonar. Perigosa a pesquisa. Não concordo.
    José Soares.
    Mestrando Ciências da Religião-UNICAP.

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  10. A questão é relativa.Podemos encontrar cristãos (ãs)que, devido o grupo ou movimento que frequentam cheguem a valorizar pouco a dimensão intectual. Por outro lado,a história nos mostra que grandes intelectuais sairam das Igrejas cristãs. Penso que a questão de passar ou não no vestibular aponta em direção a uma sociedade desigual.As oportunidades de bons cursos pré-vestibulares não são para todos!
    Claudi
    Mestrado Ciência da Religião - UNICAP.
    21 SETEMBRO, 2010.

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  11. ensino em cursinhos pré-vestibulares e a turmas de ensino médio desde que entrei na faculdade. e essa experiência me dá uma impressão contrária a da pesquisa. os evangélicos são em geral mais estudiosos e dedicados e por isso meus alunos evangélicos sempre mostraram bom resultados. Além disso, pertenço a uma igreja batista que a maioria dos jovens é universitária e para quem essa reportagem parece sem sentido.

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